Acabei de ler uma matéria com a seguinte chamada: “Bares que vendem ar: na Índia, pagar para respirar já é uma realidade”.
Vamos falar sobre isso?
Ainda assim sabemos que soluções top-down, quer sejam advindas de governos ou de CEOs, têm velocidade lenta de implantação, pois são grandes transatlânticos que precisam de amplo espaço de manobra para alterar rota, num mar notoriamente agitado por grandes ondas de retrocesso e manipulação.
As questões climáticas são prioritárias e os debates sobre a deterioração de nosso modelo econômico ocupam a ordem do dia. Na 74ª sessão da Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), em novembro, 2021 foi declarado o Ano Internacional da Economia Criativa para o Desenvolvimento Sustentável.
Você já se perguntou por que comprou?
Diante desse cenário e sabendo que mar calmo nunca fez um bom marinheiro, que tal começarmos o quanto antes, como nossos barquinhos, a pressionar no sentido inverso? De baixo para cima, cuidando das próprias escolhas e entendendo a lógica que nos faz consumir.
Relembre suas últimas compras e se pergunte: Por que comprei?
Se no seu painel de respostas apareceram alternativas como: “porque estava barato”, “porque achei que podia precisar”, “porque ia acabar”, “porque está na moda”, “porque foi uma oportunidade”, “porque adoro essa marca”, “porque quero experimentar” ou qualquer outra derivação nessa corrente, essa é uma reflexão sobre a responsabilidade que as nossas escolhas envolvem.
escolhas envolvem.
Valor de troca
Você já parou para pensar como as premissas do modelo capitalista são interessantes?
As coisas começam assim: só é bem econômico aquilo que tem valor de troca, ou seja, o que é escasso. Nossa economia desde sua origem não se preocupa com o que é abundante, os chamados bens comuns.
Tecnicamente, um bom exemplo seria o ar que respiramos, isso porque até pouco tempo acreditávamos que o ar estaria disponível para todo mundo, mas agora, depois de ler a tal matéria, perdi até a oportunidade de usar o exemplo.
O ar também é um bem econômico (as oportunidades estão em todos os lugares!).
Somado a essa premissa básica, existe outra que também remonta ao surgimento da própria economia: o “Homo oeconomicus”. O sujeito-chave da economia capitalista é autocentrado (portanto, sem eufemismos, egoísta!), usa sua racionalidade para produzir e consumir e toma decisões baseado em recompensa ou punição. Seu desejo primordial é acumular bens da maneira mais eficiente possível, evitando trabalho e esforço desnecessários.
O homem “egoísta” é, portanto, o agente econômico que deveria garantir bem-estar social, percebe?
Num relance pode até parecer estranho, porém é bem compreensível: o tal homo oeconomicus para atingir aos objetivos de obtenção de recursos escassos torna-se cada vez mais competitivo e, portanto, adquire e acumula bens com mais facilidade. Isso garante o lucro das empresas que se sentem estimuladas a investir parte desse dinheiro na produção, situação que estimula o crescimento contínuo das empresas e mais empregos com melhores salários, permitindo que mais pessoas comprem recursos escassos com valor de troca e acumulem mais, aumentando assim a demanda e valorizando ainda mais a oferta.
E qual é o resultado de tudo isso?
O resultado esperado dessa métrica, regulada pela mão invisível do mercado, é riqueza, bem-estar e mais (e melhores) condições para consumir mais bens econômicos.
Aqui, neste ponto, começamos a entender porque qualquer grande líder vai trabalhar pelo crescimento do PIB do país e do faturamento anual das grandes empresas.
Todo mundo quer crescer, não é mesmo?!
Agora, olhando em volta: essa lógica está garantido bem-estar como nos contaram Adam Smith e seus colegas nos últimos 250 anos? Somos tão absolutamente eficientes ao criar gatilhos mentais poderosíssimos quando se trata de ofertar produtos ou serviços que desenvolvemos a mentalidade de escassez como estratégia para agregar valor econômico e garantir maiores lucros.
Do ar vendido em bares na Índia à desejada área vip da balada, se é restrita, preciso trabalhar duro para garantir “meu” acesso.
Obsolescência programada usa da mesma lógica, os produtos não são duráveis e sabemos disso, porém são baratos e ficamos confortáveis em adquiri-los com baixíssimo grau de envolvimento, sem qualquer necessidade aparente, numa black friday ou quando detectamos um lançamento de produto similar com um botão a menos ou um detalhe novo na cor do ano da Pantone (aos desavisados: o Classic Blue, tom com referência ao céu do entardecer, será tendência em 2020)
A oferta imperdível no supermercado, as vagas limitadas, a moda da estação, a fome, o desemprego, os desabrigados, a falta da água, do petróleo. Os exemplos dessa métrica são incontáveis e estão impregnados em nossas rotinas com tanta eficiência e naturalidade que o tal paradigma da escassez hoje é nossa realidade: os recursos estão se esgotando graças à voracidade por acumulá-los.
O sinal de alerta já soou para que a profecia capitalista se torne realidade.
O modelo capitalista moderno, é bem verdade, não tem rivais de peso. Entretanto, para esse momento de apogeu, economistas e demais entusiastas não ofereceram resposta alguma. Ao fato, caberia citar Mark Twain: “quem só tem martelo pensa que tudo é prego”.
Mas como nem tudo está perdido, dos modelos alinhados às novas economias e ao que vem sendo chamado de capitalismo consciente, recebemos um convite para experienciar o Paradigma da Abundância em clara contraposição à lógica vigente. A questão central é: crescer para quê?
Em primeiro lugar, o medo da escassez precisa ser sanado a partir do entendimento de que ter posse não é mais importante do que ter acesso.
O capital intelectual e o repertório cultural são bens abundantes e inesgotáveis, por isso uma rede de pessoas com propósitos convergentes potencializa com poucos recursos a resolução de problemas e cocria novas ideias.
Ao compreender que vivenciar experiências com motivações internas é tão prazeroso quanto adquirir um bem, estamos provocando uma grande mudança na rota das grandes embarcações.
Hoje as iniciativas expoentes são tão promissoras que a economia criativa, mesmo sem ter os fundamentos coordenados no país, já é responsável por 2,64% do PIB. Agora você entende o recado da ONU?
Estamos fadados a participar da vida social visto que somos interdependentes, mas não precisamos esperar decisões de outrem para encontrar uma corrente mais equilibrada e inclusiva de acesso.
São as decisões individuais inspiradas em perguntas simples como a que foi proposta pelo economista Joan Melé em seu livro “Dinheiro e Consciência”: A quem meu dinheiro serve?, que levarão nossos barquinhos de maneira mais ágil e eficaz à grande onda da mudança.
Essa é a nossa onda!